sábado, 24 de dezembro de 2011

História de natal

A prenda de Natal



   A chuva batia com força naquela parte do muro, ouvia-se o silvar do vento furioso por entre as fendas que entretanto abriram, uma fenda tal como aquela onde se abrigava o Zico desde o dia em que fora abandonado ali com apenas um mês, agora a fenda estava demasiado pequena para si pois crescera e já não era uma cria de cachorro. Com quase um ano já tinha o tamanho com que iria ficar e era um cãozinho grande, magro e esguio com pernas altas. Era na verdade um cachorro bonito, com pelo lustroso castanho, orelhas caídas e uns lindos olhos muito meigos.
  Tremia, pois estava muito frio. Tanto como nunca antes sentira desde que cadela que o criou a Teca havia morrido de velhice. Fora ela que o acolheu ali naquela fenda do muro da casa onde morava. Não o podia levar para dentro porque os seus donos não aceitavam mais animais, mas estando ele por perto podia levar-lhe alimento. Mas a sua querida mãe adotiva Teca já não estava ali para o aquecer como tantas vezes fizera.
Tentava fechar os olhos mas o vento assustava-o que não resistiu a correr para a casota da sua Teca dentro do muro.
Vou ficar aqui só por um bocado pensou de si para si. A casota ainda tinha o cobertor onde a sua mãe o enrolara uma ou outra vez, e claro tinha o seu cheiro. Sentia-se protegido. Podia uivar o vento e até fazer frio que ali sentia-se em segurança. Adormeceu.
     Na manhã seguinte enquanto o Zico dormia profundamente, os ratos que viviam nas fendas do muro atravessavam o terreno para ir até ao caixote do lixo da compostagem. Estavam tão entretidos que nem repararam que o Zico estava ali na casota. O Mateo o gato da casa observava tudo da sua janela, saiu do seu posto e veio ter com os ratos ao compostor, que valente susto lhes pregou ao vir assim tão silenciosamente.
- Hi. Hi! Ai Mateo, que susto! Podias ao menos ter avisado que estavas a chegar. – Disseram os ratitos ao ver o gato.

- Até parece que vos ia comer! – Disse ironicamente o gato que não tinha a mínima vontade de o fazer. – Vocês sabem onde está o Zico?
- Na sua casa. – Responderam os ratitos. – Enquanto comiam um bocado de pão.
- Não, ele está na casa da Teca. – Disse-lhes o gato. – Aí se os donos o apanham lá, nem sei o que pode acontecer.
- Ele ainda lá está? – Perguntaram os ratitos amedrontados. – Temos de o ir acordar, ele tem de ir embora lá para fora.

Correram até à casota o mais rápido que puderam deixando o gato gordo bem para trás. Quando lá chegaram o Zico dormia como um bebé que eles nem tinham coragem de o acordar até que chegou o gato e os chamou à razão. O dono da casa o senhor Tobias até era simpático mas desde que a Teca morrera ele andava triste e aborrecia-se com os outros animais facilmente. A Teca era a sua grande companheira ia com ele para todo o lado, ele agora sentia-se só. Ainda por cima estava a chegar o natal e a sua Teca costumava ir para dentro de casa deitar-se à lareira mesmo ao pé de si depois da ceia, abanava o rabo de contente ao ver toda a família reunida a abrir os presentes e até tinha direito a um grande osso. Agora isso não ia acontecer mais. O Mateo sabia isso muito bem porque ele era o animal da Dona Lúcia a dona da casa e também da sua neta Alice. A Teca era toda do senhor Tobias, ela era a sua amiga e ele o seu.
- Zico acorda. - Disseram os ratitos. – O senhor Tobias pode ver-te e depois pode correr contigo. Acorda Zico.
O Zico estremunhou os olhitos e admirou-se com tanta plateia. Eram os ratos, o Mateo, os passarinhos, até uma toupeira e um sapo que estavam de passagem deslocados com o temporal da noite passada estavam a olhar para ele.
- O que foi? – Perguntou obviamente ensonado.
- Vamos tens de sair daqui depressa, antes que o senhor Tobias te veja. – Disseram os outros.
- Mas onde é que eu estou? – Retorquiu ele olhando em volta. Lembrou-se logo, estava na casota da sua Teca, tinha tido medo na noite anterior. Mas não podia dizer-lhes isso, claro que não. Meio empurrado meio puxado pelos seus amigos lá veio ele para fora e mesmo a tempo passou a fenda do muro, mesmo a tempo de o senhor Tobias não o descobrir.
Agora do lado de fora do muro disse aos amigos que não podia continuar ali por muito mais tempo. Primeiro porque estava a ficar demasiado grande para a casa na fenda, segundo porque tinha fome, sem a Teca para lhe trazer comida certamente morreria e terceiro estava na altura de sair pelo mundo à procura de uma família, uma família de verdade com um dono que o tratasse bem como o senhor Tobias tratava a Teca.
Os amigos ficaram muito tristes e pediram que ficasse pelo menos até ao Natal, nessa altura haveria de haver muitas sobras para todos e ali pelo menos ainda se podia abrigar da neve que costumava começar a cair por estes dias.
O Zico concordou, ia ficar até ao natal, mas depois teria de se fazer ao mundo.
Os dias passaram rapidamente até à véspera de natal, a Dona Lúcia estava a preparar as iguarias para a consoada, mas o senhor Tobias estava à lareira cabisbaixo e não havia maneira de arrebitar. A Alice chegou com os pais e pouco depois chegaram os tios. A casa estava cheia e a Alice foi perguntar à avó porque é que o avô estava tão triste. A avó disse-lhe que deviam ser saudades da Teca. Então a menina disse à avó porque é que não arranjavam outro cão, afinal no abrigo havia tantos animais a precisar de um lar e carinho. A avó encolheu os ombros. A Alice também tinha saudades da Teca mas sabia que não era a mesma coisa que o avô estava a sentir. Foi então sentar-se á janela onde o gorducho Mateo tinha a sua caminha, e ficou a olhar para o jardim onde a neve já caía. Apertou o gato no seu colo e disse:
- Sabes Mateo se eu pudesse ainda pedir uma prenda ao Pai Natal, eu pedia que em vez de ele me trazer aquela boneca que lhe pedi, que me trouxesse uma outra coisa, um cachorro. Assim eu podia dá-lo ao meu avô para que ele ficasse feliz.
O Mateo olhou para a menina e enroscou-se no seu colo, porque só de olhar para lá para fora já sentia frio.
Os ratitos prometeram ao Zico que assim que os restos fossem deitados no lixo que o chamavam, pois nessa noite nunca ninguém vinha mais cá fora com a neve e tudo. Algum tempo depois lá estavam eles a fazer sinal para ele passar a fenda no muro e vir até ao pé deles. Comeram como uns reis. Eram tantas coisas boas. Depois Zico fez como sempre, foi deitar-se na casota da Teca que nessa noite tinha direito a ficar lá dentro como o Mateo e o Zico ficava na sua casota. Estava tão cheio e cheio de sono que nem reparou que a luz do jardim se acendera e que alguém se aproximava da casota. Quando se apercebeu era tarde demais o senhor Tobias estava ali em frente a ele com um osso enorme como aquele que costumava dar à Teca. O Zico encostou-se o mais que pode ao fundo da casota mas o senhor Tobias meteu a cabeça lá dentro. E quando ele pensou que se calhar era desta que ia sentir o peso da sua mão no seu lombo magro hoje gordo pela comida da consoada, sentiu apenas um afagar de orelha e uma voz tremula a dizer:
- Ó cãozinho de onde vieste tu?
A Dona Lúcia veio chamar pelo senhor Tobias á porta e viu-o ali de joelho no chão, até pensou que lhe tinha dado alguma coisa. Foi logo chamar o filho para o ajudar, quando o senhor Tobias logo aparece com a cara cheia de felicidade a dizer:
- Olhem todos a minha prenda de natal.
Ficaram todos admirados ao vê-lo com um cachorro no colo. E ele continuou:
- Foi certamente a minha Teca que não me quis ver tão triste e me mandou este amiguinho para me fazer companhia. É bem bonito não é? E é meigo como só. – Dizia ele enquanto afagava o focinho do Zico de lhe dava umas palmadinhas meigas no pescoço.
De repente a tristeza deixou aquele lar, e no coração do senhor Tobias fez-se calor e no do Zico também, tinha acabado de ser adotado e melhor não tinha de deixar tantos amigos e tão boas memórias para trás. Agora tinha um lar. Que bela prenda de natal tiveram eles os dois.
Fim.
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